PERCEPÇÃO DOS PARTICIPANTES DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO EM RELAÇÃO À IMPLEMENTAÇÃO DAS DEMANDAS DA POPULAÇÃO: ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE SANTANA DO LIVRAMENTO/RS Nelson Henrique Quevedo Rosa 1 Jeferson Luís Lopes Goulart 2 Alessandra Troian 3 Resumo O presente estudo tem por objetivo analisar a percepção dos participantes (gestor, delegados e representantes da comunidade) do processo do Orçamento Participativo em relação à implementação das demandas da população no período de 2013 e 2014, no município de Santana do Livramento, RS. A pesquisa caracteriza -se como exploratória, descritiva, de abordagem qualitativa, por meio de estudo de caso. Os entrevistados foram selecionados aleatoriamente nas listas das assembleias. Realizaram-se 15 entrevistas, a partir de roteiros semiestruturados com participantes do processo do Orçamento Participativo. Realizou-se ainda uma pesquisa nos documentos, os quais foram obtidos junto ao Gabinete de Relações Comunitárias e também na Secretaria de Planejamento do município. Como Recebimento: 16/6/2016 ? Aceite: 27/6/2017 1 Tecnólogo em Gestão Pública pela Universidade Federal do Pampa, Santana do Livramento ? RS, Brasil. E-mail: henrique.nqr@hotmail.com 2 Doutora em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora na Universidade Federal do Pampa, Santana do Livramento ? RS, Brasil. E- mail: alessandratroian@unipampa.edu.br 3 Doutor em Ciências de la Educación. Professora na Universidade Federal do Pampa, Santana do Livramento ? RS, Brasil. E-mail: jefersongoularte@unipampa.edu.br Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 426 resultados, têm-se: os representantes do poder público e os representantes da comunidade têm conhecimento que as demandas não estão sendo realizadas, têm conhecimento sobre a não realização de algumas demandas, os últimos esperam que os delegados exijam o cumprimento das demandas. Já os delegados reconhecem que suas demandas não estão sendo efetivadas e exigem uma resposta do poder público. As demandas eleitas no Orçamento Participativo foram incluídas nos instrumentos orçamentários. Palavras-chave: Orçamento Participativo. Demandas. Assembleia. PERCEPTION OF PARTICIPATORY BUDGET PARTICIPANTS IN RELATION TO THE IMPLEMENTATION OF POPULATION DEMANDS: A CASE STUDY IN THE MUNICIPALITY OF SANTANA DO LIVRAMENTO/RS Abstract This study aims to analyze the perception of the participants (managers, delegates and community representatives) of the Participatory Budgeting process in relation to the implementation of the demands of the population in period 2013 and 2014 in country Santana do Livramento. The research is characterized as exploratory, descriptive, qualitative approach through case study. Respondents were randomly selected from the lists of meetings. There were 15 interviews from semi-structured scripts with participants of the Participatory Budget process. We conducted further research in the documents, which were obtained from the Office of Community Relations and also the Municipal Department of Planning. As a result we have: the representatives of the public power and community representatives are aware that the demands are not being made aware of the non-realization of some demand, the last hope that delegates require compliance with the demands. Already delegates recognize that their demands are not being effected and require a government Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 427 response. The demands on elected Participatory Budget were included in the budget instruments. Keywords: Participatory Budget. Demands. Assembly. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 428 Introdução O planejamento do Orçamento Público vem sofrendo diversas mudanças em suas características: tradicional, democrático, equitativo e incremental (ABREU; GOMES, 2013). No presente estudo, aborda -se o orçamento como democrático, o qual se apoia na democracia, na sociedade, no processo participativo. Participação que busca reduzir as desigualdades sociais e promover o desenvolvimento local, por meio de influências nas políticas públicas e na distribuição dos recursos orçamentários. A elaboração e a execução do Orçamento Público deve seguir as determinações da Constituição Federal de 1988, em seu art. 165, que descreve os três instrumentos orçamentários: o Plano Plurianual (PPA), a Lei das Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) (BRASIL, 1 988). Além de obedecer aos princípios orçamentários descritos na legislação, Lei nº 4.320/1964, e na Lei Complementar nº 101/2000: unidade ou totalidade, universalidade, anualidade ou periodicidade, exclusividade, orçamento bruto, legalidade, publicidade, transparência e não vinculação da receita de impostos (BRASIL, 2012). O Plano Plurianual é feito para os quatro exercícios seguintes e estabelece as diretrizes, os objetivos e as metas de médio prazo da Administração Pública. A Lei das Diretrizes Orçamentárias tem como principal função estabelecer os meios necessários para alocar os recursos no orçamento anual, possibilitando a execução do Plano Plurianual, deve ajustar o que foi previsto no mesmo, com a realidade de caixa do governo e estabelecer quais pr ogramas terão maior prioridade no orçamento seguinte. A Lei Orçamentária Anual deve estimar as receitas e fixar as despesas para o ano seguinte, tornando possível avaliar quais as fontes de recursos e quais os beneficiários dos mesmos (GIACOMONI, 2010). O controle do Orçamento Público tem crescido cada vez mais no Brasil, tendo como ferramentas para efetivação de controle a Lei nº 4.4320/1964 e a Lei Complementar nº 101/2000, que estabelece a realização de audiências públicas tanto na elaboração como no controle do orçamento (BRASIL, 1964; 2000). No intuito de estudar o orçamento com características democráticas, surge o Orçamento Participativo, que é uma ferramenta utilizada pelos governos com a finalidade de integrar o cidadão ao processo de elaboração do Orçamento Público. O Orçamento Participativo possibilita que a população defina as prioridades que devem ser incluídas no planejamento do Orçamento Público. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 429 Para Pires (2001), o Orçamento Participativo é uma ferramenta que possibilita ao cidadão participar como protagonista nas escolhas na Administração Pública. O programa teve início no Brasil logo após a retomada de democracia, na década de 1980, sendo um dos métodos mais utilizados em governos do Partido dos Trabalhadores (PT). A implementação do Orçam ento Participativo exige que seja realizada uma análise da realidade local para escolher qual metodologia se enquadra melhor em determinada localidade, uma vez que não há uma metodologia única de implementação do Orçamento Participativo, pois ele se caracteriza como um caso de democracia participativa, ou de combinação entre a democracia participativa e a democracia representativa. Assim, realiza assembleias e eleição de representantes para o conselho de delegados (NOVAES; SANTOS, 2014). Nesse sentido, destaca-se que democracia representativa é um conjunto de procedimentos de controle sobre o governo, ou de mera legitimação do poder, mediante o processo eleitoral, mediatizado pelo poder econômico, pelo (abuso) do poder político e pela manipulação da vontade eleitoral pelos meios de comunicação, questões insolúveis na sociedade de massa (AMARAL, 2001). Já a democracia participativa tem foco central no resgate dos ideais de autogoverno e de soberania popular por meio da participação dos cidadãos nos processos d e discussão e de decisão política. Segundo Macpherson (1978), a ideia de democracia participativa surgiu no contexto dos movimentos estudantis durante os anos de 1960, espalhando-se para outros setores, como as classes trabalhadoras, que passam a demandar maior controle e melhores condições de trabalho durante as décadas de 1960 e 1970. De maneira geral, os democratas participativos acusam o pressuposto equivocado da perspectiva democrática contemporânea, que reduz a participação dos cidadãos ao momento ele itoral da escolha dos representantes políticos (LÜCHMANN, 2012). As diferenças com relação aos mecanismos da democracia representativa são marcantes, já que incorporam a participação da população no processo de discussão e de tomada de decisões políticas (LÜCHMANN, 2008). Nesse contexto, destaca-se que o município de Santana do Livramento, RS, iniciou a implementação do Orçamento Participativo no ano de 2013. Atualmente, o município encontra-se em meados da terceira execução, concomitantemente com o mandato do prefeito do Partido dos Trabalhadores. Assim, o objetivo do presente estudo é analisar a percepção dos participantes (gestor, delegados e representantes da comunidade) acerca do processo do Orçamento Participativo em relação à implementação das demandas da população Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 430 no período de 2013 e 2014 no referido município. Como objetivos específicos têm-se: a) identificar as demandas solicitadas no Orçamento Participativo; b) verificar se as demandas do Orçamento Participativo foram inseridas nos instrumentos or çamentários; c) analisar a percepção dos gestores públicos, delegados e demais participantes do Orçamento Participativo do município. A pesquisa foi realizada a partir de entrevistas com gestor, delegados e representantes da comunidade. Também foi utilizad a a pesquisa documental, a partir da análise das atas das assembleias, as listas de presenças, o Estatuto do Orçamento Participativo, a Lei do Plano Plurianual, a Lei das Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual do município. A pesquisa se justifica pelo fato de o Orçamento Participativo ser recente no município. Assim, os participantes bem como os documentos do Orçamento Participativo são elementos importantes para se conhecer o processo, verificar o andamento e determinar a continuidade do Orça mento Participativo em Santana do Livramento. Para tanto, o presente artigo está estruturado em cinco seções, a contar com esta breve introdução. Na seção dois, apresenta -se a fundamentação teórica, discutindo-se o Orçamento Público e o Orçamento Participativo. A seguir, apresentam-se os procedimentos metodológicos. Na seção quatro, apresenta-se a análise dos dados e, por fim, tecem-se algumas considerações finais. Orçamento público e participativo: breve revisão dos termos Nesta seção, será apresentado o Orçamento Público e o Orçamento Participativo, buscando realizar uma revisão dos mesmos, elencando suas definições e os principais fatores presentes em cada um que contribui na definição de políticas públicas e na distribuição dos recursos orçamentários. Orçamento público O Orçamento Público teve origem na Inglaterra por volta de 1822, época em que o liberalismo econômico estava crescendo cada vez mais e, com isso, era preciso cortar as despesas públicas e diminuir a carga tributária (GIACOMONI, 2010). Segundo Giacomoni (2010), o conceito do orçamento vem sofrendo diversas alterações, dividindo-se em orçamento tradicional e orçamento moderno. A principal função do orçamento tradicional era o controle político, tornando o Orçamento Público um instrumento disciplinador dos cofres públicos. O orçamento era formado por uma Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 431 fórmula de controle, que confrontava as despesas e as receitas, assim o orçamento tradicional não afetava a economia diretamente, pois os gastos públicos não eram significativos. O orçamento moderno, ainda de acordo com Giacomoni (2010), surge no final do século XIX, com o crescimento dos programas de desenvolvimento, deixando o Orçamento Público de ser um mero demonstrativo. Sua principal função era ser um instrumento de administração que auxiliasse o executivo na programação, na execução e no controle do processo administrativo. Abreu e Gomes (2013) entendem que o processo orçamentário para o desenvolvimento não pode ser um plano de gabinete, mas, sim, um processo de construção conjunta com a sociedade, com ampla participação política da mesma. O planejamento democrático do orçamento se apoia na democracia, na sociedade, no processo participativo, de forma que o processo é mais importante que os resultados. Para que se tenha uma democracia participativa é preciso haver a representação dos interesses das minorias. No Brasil, existe o Sistema de Planejamento Integrado, que tem como instrumentos de planejamento e orçamento o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Esses instrumentos estão previstos pelo art. 165 da Constituição Federal de 1988 (KOHAMA, 2010). Já a Lei n° 4.320/1964 estabelece as regras de elaboração e controle dos orçamentos, e a Lei Complementar nº 101/2000 estabelece a ges tão responsável e transparente dos orçamentos. Para Abreu e Gomes (2013), a Constituição Federal de 1988 introduziu várias mudanças nas regras do orçamento público, salientando a obrigatoriedade para a elaboração do PPA (Planejamento de médio prazo ? quatro anos), e da LOA (considerada de curto prazo ? anual), com base nas metas e prioridades da LDO (anual). Esse processo orçamentário deve alocar os recursos (receitas e despesas) com a finalidade de reduzir as desigualdades sociais e de promover o desenvolvimento local, regional e nacional. Conforme Pires (2001), o Orçamento Público é um conjunto de informações financeiras, no qual são estimadas as receitas e previstas as despesas de uma unidade governamental para um período futuro, sendo fundamental nas in formações presentes e passadas e em objetivos futuros. Trata-se de um instrumento de planejamento e de controle dos recursos financeiros dos governos, que tem por finalidade garantir a sua utilização adequada e a transparência na execução. Para Santos (2010), o Orçamento Público é a união sistemática e organizada de todas as receitas estimadas para um determinado ano Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 432 e o detalhamento das despesas que o governo espera executar no próximo exercício. A elaboração e a execução do orçamento público devem obedecer aos princípios orçamentários descritos na legislação. Os Princípios Orçamentários visam estabelecer regras norteadoras básicas, a fim de conferir racionalidade, eficiência e transparência para os processos de elaboração, execução e controle do Orçamento Público. Válidos para os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todos os entes federativos ? União, Estados, Distrito Federal e Municípios ? são estabelecidos e disciplinados por normas constitucionais, infraconstitucionais e pela doutrina (BRASIL, 2012, p. 7). Os princípios orçamentários estabelecidos na legislação são os descritos no Quadro 1: Quadro 1: Princípios Orçamentários Princípios Conceitos Unidade ou Totalidade Determina que não exista mais de um orçamento para cada ente da Federação, devendo conter todas as despesas e receitas, as quais devem integrar um único documento: a Lei Orçamentária Anual. Universalidade Determina que a Lei Orçamentária Anual deva conter todas as receitas e despesas de todos os órgãos, fundos e fundações criadas e administradas pela Administração Pública. Anualidade ou Periodicidade Delimita o exercício financeiro orçamentário: período de tempo ao qual a previsão das receitas e a fixação das despesas registradas na LOA irão se referir. Exclusividade Determina que a LOA não possa receber nada que não esteja na previsão da receita e na fixação da despesa, porém há duas exceções, as operações de crédito e a abertura de créditos adicionais. Orçamento Bruto Determina que o registro deva ser feito na LOA pelo valor total e bruto, sendo proibido qualquer desconto. Legalidade Estabelece que a Administração Pública só deva elaborar o Orçamento seguindo aquilo que a lei estabelecer. Publicidade Determina que todas as suas despesas devam ser previamente fixadas em lei. Transparência Determina que o governo deva divulgar o orçamento público para a sociedade, publicar relatórios sobre a execução orçamentária e a gestão fiscal, disponibilizar informações sobre a arrecadação da receita e a execução da despesa a todos. Não Vinculação da Receita de Impostos Determina que as receitas derivadas de impostos não possam ser vinculadas a nenhum fundo, órgão ou despesa. Existem algumas exceções previstas pela Constituição Federal. Fonte: Elaborado pelos autores com base na legislação (BRASIL, 2012). Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 433 Os princípios orçamentários apresentados no Quadro 01 devem ser obedecidos na elaboração e no controle do orçamento de acordo com a legislação. Para compreender o Orçamento Público, faz -se necessário conceituar as receitas e desp esas orçamentárias. As receitas orçamentárias são valores que adentram durante o exercício orçamentário, sendo um componente recém -agregado ao patrimônio público, possibilitando a concretização das políticas públicas e são utilizadas para sanar as demandas da sociedade. Já as despesas orçamentárias são o grupo de despesas efetuadas com o propósito de realizar a manutenção nos serviços prestados à sociedade pelos órgãos públicos (BRASIL, 2012). Orçamento participativo No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, começou a aparecer um ímpeto de participação bastante amplo, oriundo de setores sociais mobilizados e de grupos políticos afirmados na luta contra a ditadura militar. Assim, o Orçamento Participativo teve início no Brasil logo após a retomada de democracia na década de 1980, que é a ferramenta que possibilita ao cidadão participar como protagonista nas escolhas na Administração Pública e é um dos métodos mais utilizados em governos do Partido dos Trabalhadores (PIRES, 2001). Sánchez (1997) entende que o Orçamento Participativo teve origem nos setores democráticos de esquerda desde os anos 1970, sendo que o Partido dos Trabalhadores contribuiu para formar essa cultura de participação. No ano de 1988, apareceram elementos favoráveis para o surgimento do Orçamento Participativo e, assim, somaram-se dois fatores, sendo eles a trajetória social dos partidos aliados ao Partido dos Trabalhadores e a experiência do ativismo social e do movimento comunitário de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. De acordo com Genro e Souza (1997), o Orçamento Participativo, no caso de Porto Alegre, tem início conjuntamente com o Programa de Governo para eleição de 1988, o qual trazia a ideia de democratizar as decisões da nova gestão com os conselhos populares, possibilitando que cada cidadão tivesse voz ativa na tomada de decisões do governo e na elaboração das políticas públicas. Conforme Carvalho (2008), o Orçamento Participativo possibilita que grande parte da população escolha representantes diretos, eleitos nas audiências públicas, podendo assim ter suas demandas atendidas de maneira democrática e aponta para a necessidade de consciência cívica como fator determinante na Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 434 elaboração e na implantação do Orçamento Participativo, tornando-se uma ferramenta no protagon ismo e na interação do cidadão nas escolhas dos recursos a serem aplicados pela Administração Pública. Novaes e Santos (2014) descrevem a relação entre democracia participativa, distribuição dos recursos orçamentários e eficiência da Administração Pública, definindo critérios a serem utilizados na avaliação dos resultados do Orçamento Participativo em três áreas específicas: a democracia, a racionalização da administração local e a justiça redistributiva. O Orçamento Participativo representa um processo de construção de políticas que modifica as práticas anteriores de planejamento e de elaboração do orçamento no Brasil e é um meio de aprovar políticas públicas com potencial para tornar mais eficiente o uso dos recursos escassos, com o monitoramento dos gastos e das obras públicas pelos cidadãos. Segundo Genro e Souza (1997), o processo do Orçamento Participativo contraria a democracia meramente formal. Ao invés de apenas ir votar no dia da eleição, os cidadãos podem defender diretamente seus interesses de ma neira individual e com a participação coletiva. Para Pires (2001), o Orçamento Participativo é mais um estágio do aperfeiçoamento político; neste, não somente os parlamentares fazem parte da tomada de decisões a respeito de finanças e políticas, sendo que a sociedade civil exerce um papel ativo. A história política e econômica de determinada cidade é um fator importante para analisar o grau de envolvimento de determinada população em ações de cogestão dos gastos públicos. Os objetivos do governo, ao adotar o Orçamento Participativo, podem ser apenas para fortalecer o Executivo diante do Legislativo, ou para fortalecer o relacionamento com a população, com o intuito de quebrar os ciclos de poder de decisão. Existem municípios que colocam o Orçamento Participativo como sua principal política; outros apenas como uma tarefa adicional. De qualquer forma, independentemente dos objetivos do Orçamento Participativo, os municípios precisam estar preparados tecnicamente para executá-lo (PIRES, 2001). Nesse sentido, é preciso que o município tenha capacidade administrativa e financeira para a efetivação do Orçamento Participativo, além da vontade e do comprometimento dos governos, não só de disponibilizar recursos para investimento, mas executar efetivamente as demandas oriundas da participação no Orçamento Participativo. Balestro (2011) entende que o Orçamento Participativo é um meio de fortalecimento do poder local e de resgate da democracia social, propiciando a participação efetiva do povo como cidadão, a Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 435 descentralização do poder, o fortalecimento dos Estados e, especialmente, os Municípios, de maneira a criar canais de participação popular a partir do poder local. No entanto, às vezes são sempre os mesmos que participam do processo do Orçamento Participativo, caracterizando uma fragilidade da representação popular, além de poder ocorrer a concentração das decisões, e isso, ao longo do tempo, pode enfraquecer a participação nos processos decisórios. De acordo com Pires (2001), o Orçamento Participativo é uma metodologia que procura assegurar a cogestão entre população e governo, no entanto não existe um procedimento único de implementação, devendo ser realizada uma analise da realidade local para escolher qual metodologia se enquadra melhor para determinada localidade, podendo um município mudar a metodologia anualmente, levando em consideração o aprendizado e as conveniências. Independentemente da metodologia adotada, o Orçamento Participativo deve ser realizado, pautando-se nos princípios básicos do Orçamento Participativo, como pode ser visto no Quadro 02. Quadro 2: Princípios do Orçamento Participativo Principio Conceitos Caráter pedagógico do processo Refere-se à cultura da população, esta não tem interesse em participar do Orçamento Participativo, pois desconhece o viés político e não técnico do processo, assim nas primeiras execuções é necessário fazer um aprendizado lendo com a população. Autonomia dos Movimentos Os movimentos do processo não devem ser realizados de maneira a favorecer os interesses da Administração Pública e, sim, das comunidades participantes; a administração deve permitir que os moradores se organizem e debatam suas demandas sem intervenção, devendo fornecer cursos de lideranças e divulgação. Cogestão Determina que a população deva pleitear suas demandas, porém sempre de maneira secundária, sendo da Administração Pública a responsabilidade de execução do Orçamento. Substituição das reivindicações por prioridades Determina que os Grupos representantes dos bairros não devam apenas listar quais são todas as reivindicações, mas, sim, elencar as prioridades para determinada região. Principio da Organização e mobilização como forma de disputa de recursos Traz a ideia de que, quanto mais organizada for a comunidade, terá mais chance de obter o recurso. Transparência e Limites das Decisões Determina que, ao aprimorar o processo do orçamento participativo, não devam ser discutidos apenas investimentos, mas todo o orçamento, possibilitando assim uma relação de confiança mútua entre população e governo. Fonte: Adaptado de Pires (2001). O Quadro 2 apresenta os princípios básicos que estão associados à participação da sociedade no processo do Orçamento Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 436 Participativo. Assim, Novaes e Santos (2014) entendem o Orçamento Participativo como uma política participativa em nível local que responde a demandas dos setores desfavorecidos por uma distribuição mais justa dos bens públicos nos municípios brasileiros, composto por uma etapa de participação direta dos interessados e por outra etapa, em que tal participação se dá por meio do conselho de delegados. O Orçamento Participativo caracteriza-se com um caso de democracia participativa, ou de combinação entre a democracia participativa e a democracia representativa, pois realiza assembleias populares e eleição de representantes para o conselho de delegados. Para Pires (2001), a metodologia abordada é a Dialética, em que as propostas são elaboradas tanto pela população como pelo Poder Público. Essa metodologia é dividida em atividades, tendo um prazo de execução de 15 meses. O Quadro 3 descreve o ciclo. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 437 Quadro 3: Ciclo do Orçamento Participativo Atividade Objetivo Debate político interno Aumentar o conhecimento sobre o processo do Orçamento Participativo, analisar a compatibilidade do plano de governo e preparar a equipe para as novas abordagens. Definição do grupo coordenador e da equipe de apoio Garantir a capacidade de coordenação e articulação do processo do Orçamento Participativo Organização do Processo Criar metodologia política viável, permitindo que o processo seja feito com transparência, respeitando as normas pré-estabelecidas, e que tenha condições de execução. Projetos por órgão de governo Formular um levantamento dos investimentos possíveis, em cada órgão da administração, reunir todos em um programa de governo. Proposições de programas Reunir os projetos nos programas de governo. Escolha de Programas Prioritários Comparar custos com recursos financeiros. Articulação com legislativo Debater as propostas com vereadores e receber ideias para possibilitar um bom relacionamento. Preparação de liderança Criar grupos de líderes, com capacidade de executar o projeto com autonomia desejável, fornecendo-lhes capacitação técnica para uma maior compreensão. Divulgação Propiciar a cultura de participação popular. Urnas para escolha das prioridades Chamar a comunidade para votar nas prioridades. Plenárias temáticas Fazer diagnóstico da cidade por áreas temáticas (saúde, educação, transporte, moradias). Distribuição de Cartilhas Oferecer material para os interessados em participar. Plenárias sub-regionais Delimitar quais as prioridades da sub-região, utilizando as demandas dos bairros, também eleger os delegados regionais. Plenárias regionais Utilizar as demandas sub-regionais para definir as prioridades regionais e eleger os delegados para assembleia geral. Consolidação das Prioridades Elaborar ante-proposta mista, utilizando as demandas do governo e as demandas das assembleias Assembleia Geral Discussão final com o objetivo de compatibilizar as demandas das regiões, sub-regiões, as propostas populares e do governo. Confecção do Projeto de Lei Preparar o projeto de lei, seguindo a legislação municipal, e respeitando o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e as decisões da assembleia popular. Entrega ao Legislativo Subjugar a proposta do Executivo ao Legislativo Tramitação Legislativa Discutir, emendar e aprovar o orçamento. Aprovação Legislativa Dotar o Município de Lei Orçamentária. Avaliação do processo Avaliar a execução e o resultado do processo. Acompanhamento da execução orçamentária Verificar se as decisões populares estão sendo executadas pelo Poder Executivo, monitorando o andamento das receitas, acompanhando as despesas e os processos de alterações do Orçamento. Fonte: Adaptado de Pires (2001). O Quadro 3 acima apresenta o ciclo que o Orçamento Participativo deve percorrer para a sua implementação e deve influenciar na definição das políticas públicas e na priorização da distribuição dos recursos orçamentários. Para Fedozzi (2009), o Orçamento Participativo deve estar sustentado em regras universais Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 438 de participação e regulares de funcionamento, também ter um método objetivo de definição dos recursos para investimentos que atendam o processo anual do orçamento do município. Lüchamann (2014, p. 23) destaca que ?o modelo adotado é fator importante para avaliar o sucesso ou fracasso na capacidade de manutenção de experiências participativas ao longo do tempo, em especial a sua solidez em termos democráticos, ou o seu papel e seu escopo efetivamente participativo nos processos decisórios?. No entanto, o Orçamento Participativo pode enfrentar dificuldades de implementação. Dentre as dificuldades do Orçamento Participativo, Santos (2010) destaca a baixa capacidade de investimentos dos municípios e a falta de conhecimento do orçamento por parte dos delegados e da sociedade. Pires (2001) elenca como dificuldades na implementação do Orçamento Participativo: falsas expectativas, desinteresse da comunidade, relação tradicional entre executivo e legislativo, descontinuidade, democracia representativa contra a democracia participativa, estruturação dos mecanismos de participação, falta de recursos para investir, divisão do poder e o conflito que ocorre entre centro e periferia. Além dessas dificuldades, a preocupação com a avaliação sobre o seu potencial de promover inovação democrática segue como referência analítica central e vem se desenvolvendo no sentido de se identificar variáveis, ou condições de viabilidade e sustentação, ?como a dimensão do associativismo, ou da sociedade civil; à vontade e/ou comprometimento político dos respectivos governantes; e o desenho institucional, além de questões referentes ao grau de descentralização político-administrativa e da capacidade financeira dos municípios? (LÜCHAMANN, 2014, p. 24). Esta seção abordou sucintamente a temática do Orçamento Público e Participativo. A seguir, busca-se expor o método utilizado para a realização da pesquisa, apresentando o tipo de pesquisa, sua abordagem e as ferramentas de coleta e de análise de dados. Método A pesquisa caracteriza-se como exploratória, descritiva, de abordagem qualitativa, por meio de estudo de caso. Conforme Gil (2010), o objetivo da pesquisa exploratória é aprimorar ideias e descobrir instituições. Nesse tipo de pesquisa, são utilizados instrumentos como, entrevistas e análise de documentos. A pesquisa descritiva, segundo Gil (2010), aborda as características de determinada população, identifica possíveis relações Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 439 entre variáveis, incluindo-se nesse grupo também as pesquisas que visam conhecer as opiniões, crenças e atitudes de um determinado grupo, estabelecendo associações entre variáveis. A abordagem qualitativa, conforme Gerhardt e Silveira (2009), busca explicar um determinado fenômeno, porém sem utilizar variáveis quantificáveis, porque os dados estudados não são numéricos e podem ser coletados a partir de várias abordagens, mantendo o foco da pesquisa na compreensão dinâmica das relações sociais. O método utilizado foi o estudo de caso, que, conforme Gil (2010), busca descrever a situação da investigação e explicar variáveis de um determinado contexto que não poderiam ser analisadas apenas com levantamentos e experimentos. O estudo de caso pode ser aplicado em pesquisas descritivas e explicativas, fazendo o uso de técnicas de coleta de dados como entrevistas e análise documental. Na presente pesquisa, o caso estudado foi o Orçamento Participativo no município de Santana do Livramento/RS. As técnicas de coleta de dados foram: entrevistas semiestruturadas e pesquisa documental. As entrevistas foram realizadas com 15 participantes do processo do Orçamento Participativo no município de Santana do Livramento nos exercícios de 2013 e 2014, sendo estes um gestor do Poder Público, sete delegados do Orçamento Participativo e sete representantes da comunidade, selecionados aleatoriamente a partir das listas de presença nas assembleias. Os entrevistados estão identificados por meio dos seguintes códigos: G1(Gestor), D2, D3, D4, D5, D6, D7, D9 (Delegados), C10, C11, C12, C13, C14, C15, C16 (Representante da Comunidade). A pesquisa documental foi realizada a partir das atas das assembleias e das listas de presenças. Também foram analisados o Estatuto do Orçamento Participativo, a Lei do Plano Plurianual, a Lei das Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual, com o intuito de verificar se as prioridades estabelecidas foram incluídas nesses instrumentos de planejamento. Os documentos foram coletados no Gabinete de Relações Comunitárias e na Secretaria do Planejamento do município. As atas das assembleias foram utilizadas, possibilitando identificar como as mesmas procederam, quantas, quando e de que forma foram realizadas, as demandas escolhidas e o número de participantes e delegados em cada assembleia. A técnica de análise de dados utilizada foi a da análise interpretativa. A análise, segundo Gil (2010), ocorre após ou concomitantemente com a interpretação dos dados, processo que consiste em estabelecer as ligações entre resultados obtidos com Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 440 aqueles já conhecidos. Esses últimos podem ser retirados das teorias, ou de estudos anteriormente aplicados. Os dados coletados a partir das entrevistas foram analisados de forma qualitativa, sendo suas respostas confrontadas com os documentos e com o aporte teórico. Assim, buscou -se realizar a triangulação da pesquisa em relação à participação no processo do Orçamento Participativo. O orçamento participativo no município de Santana do Livramento O primeiro Orçamento Participativo no município de Santana do Livramento ocorreu no ano de 2013 e contou com a presença e participação de 872 pessoas. O Orçamento Participativo foi realizado mediante cinco assembleias. As assembleias foram realizadas em cinco regiões, sendo a primeira na região Central. A segunda assembleia foi realizada na região do Wilson, a terceira assembleia aconteceu na região da Campanha, a quarta assembleia foi realizada na região do Prado. Já a quinta e última assembleia ocorreu na região do Armour. O número de participantes credenciados em cada uma das assembleias realizadas, a quantidade de votos e o número de delegados eleitos podem ser visualizados no Quadro 04. Quadro 4: Síntese do Orçamento Participativo de 2013 em Santana do Livramento/RS Ano - 2013 Nº de Assembleias Local Nº de credenciados Quantidade de votos Delegados eleitos 5 em 5 regiões do município Central 172 152 14 Wilson 170 144 17 Campanha 50 47 5 Prado 216 185 20 Armour 264 254 26 Total 872 Fonte: Elaborado pelos autores, com base na pesquisa de campo 2015. No ano de 2014, a divisão das regiões permaneceu cinco, no entanto a região da Campanha foi subdividida em três assembleias, totalizando oito assembleias. A primeira assembleia ocorreu na região do Wilson, em seguida ocorreram as assembleias da região da Campanha. Posteriormente, ocorreram as assembleias nas regiões Central, Armour e Prado, totalizando 529 participantes no segundo ano do Orçamento Participativo. O Quadro 05 detalha o número de Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 441 participantes em cada assembleia realizada, bem como apresenta o número de votantes e de delegados eleitos. Quadro 5: Síntese do Orçamento Participativo de 2014 em Santana do Livramento/RS Ano ? 2014 Nº de Assembleias Local Nº de credenciados Quantidade de votos Delegado eleitos 8 em 5 regiões do município Wllson 160 122 16 Campanha (3 assembleias) 188 170 10 Centro 62 62 6 Armour 61 55 6 Prado 58 56 6 Total 529 Fonte: Elaborado pelos autores, com base na pesquisa de campo 2015. Durante o processo de votação, cada credenciado recebia uma cédula, em que poderia escolher três demandas, sendo que a primeira tinha peso três, a segunda opção tinha peso dois e a terceira, peso um. No final da votação, as demandas eram apuradas e a primeira, a mais votada, de cada assembleia foi selecionada para ser executada. Analisando o Orçamento Participativo nos anos de 2013 e 2014, é possível constatar que houve um decréscimo no número de participantes que compareceram nas assembleias. A redução no número de participantes pode indicar desinteresse da população, ou ainda a não credibilidade do processo. Ao avaliar o Regimento Interno do Orçamento Participativo de Santana do Livramento, foi possível identificar que o Orçamento Participativo realizado no município tem como princípios a gestão participativa, democrática, compartilhada e solidária dos recursos públicos, possibilitando a melhoria da qualidade de vida da população, também a melhoria e a expansão do controle social pela via da organização da comunidade. O Orçamento Participativo, no município, tem por finalidade organizar a comunidade para definir investimentos e serviços prestados pelo Poder Público municipal, para o exercício seguinte, como traz a Lei de Diretrizes Orçamentárias, e estimular a discussão e a informação sobre as políticas públicas do Município. A análise do Regimento Interno do Orçamento Participativo evidencia, em seu art. 9º, que as atribuições dos delegados, são: I - Conhecer e cumprir o presente regimento; Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 442 II - Representar a região que os elegeu, em cada fórum de delegados do Orçamento Participativo; III - Representar sua região junto ao conselho do orçamento participativo, ao governo municipal, à câmara municipal de vereadores e em todas as instancias de organização da sociedade; IV - Multiplicar as discussões relativas ao Orçamento Participativo no seu bairro, estimulando a participação popular e o surgimento de formas de organização e consulta popular; V - Mobilizar a comunidade para a realização de eventos temáticos que objetivem a qualificação do processo do Orçamento Participativo, contanto para isso com o apoio do Conselho Municipal do Orçamento Participativo; VI ? Apoiar os (as) conselheiros (as) na informação e na divulgação para a população dos assuntos tratados no Conselho Municipal do Orçamento Participativo, bem como atuar na fiscalização das obras em execução; VII - Zelar pela manutenção do Orçamento Participativo do município de Santana do Livramento (SANTANA DO LIVRAMENTO, 2013). Nesse sentido, destaca-se que a escolha dos delegados se deu pela comunidade reunida nas assembleias. No decorrer da pesquisa, quando questionados como havia se dado a escolha dos delegados, um dos entrevistados menciona que os delegados são escolhidos localmente. ?As lideranças acabam se construindo dentro dos bairros? (Delegado 8). Foi enfatizado ainda que o delegado, embora represente uma localidade e as demandas da população, não trabalha sozinho, mas atua em conjunto com a comunidade. Ainda com relação ao questionamento de como se deu a definição dos delegados, a maioria dos entrevistados menciona que a decisão acerca do número de delegados se dá a partir do número de participantes em cada assembleia. Uma das entrevistadas menciona que houve diversos nomes em discussão, mas que ela acabou sendo a delegada eleita. ?Surgiram vários nomes dentro da comunidade, e eu fui escolhida? (Delegada 3). Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 443 Com relação às atribuições dos delegados, do Orçamento Participativo, para todos os entrevistados, a principal função dos delegados é fiscalizar e cobrar do Poder Público se as demandas elegidas no processo participativo estão sendo realizadas. ?A atribuição que tu tens é ficar cobrando e verificar se está sendo realizada a demanda? (Delegado 2). ?Devemos garantir que as demandas sejam feitas? (Delegado 3). Já para outro entrevistado, ?A grande importância do delegado é fiscalizar e cobrar que saia aquilo que foi prometido? (Delegado 4). A partir das respostas dos delegados entrevistados, pode-se inferir que nenhum deles respondeu de maneira completa as atribuições dos delegados estabelecidas no Regim ento Interno do Orçamento Participativo de Santana do Livramento, apresentado acima, porém conseguiram expressar algumas das atribuições isoladas ou descrições similares. Sobre a representação, os entrevistados foram questionados acerca da sua participação, se representa ou não alguma entidade. A maioria dos delegados entrevistados participou do Orçamento Participativo representando alguma entidade, associação ou instituição. Nesse sentido, ressalta-se a importância da participação associativa e que a experiência associativa é significativamente relevante na escolha dos delegados. Em Porto Alegre, no ano de 1998, 90% dos delegados participavam de alguma associação, influenciando no fato de Porto Alegre representar a cidade na qual a sua população já foi considerada como dotada de cultura política participativa, realidade que se exprimiria nas múltiplas possibilidades de participação democrática de que o Orçamento Participativo é a insígnia maior (SILVA, 2001; AVRITZER, 2002; HOROCHOVSKI; CLEMENTE, 2012). Já os entrevistados representantes da comunidade santanense, dos sete, quatro participaram com suas associações de moradores, ou escolas em que trabalham, e apenas três participaram sem representar nenhum grupo. A pesquisa buscou identificar o que os envolvidos entendem por Orçamento Participativo e quais são os seus conhecimentos sobre instrumentos orçamentários. Assim, quando interrogados sobre Orçamento Público e sobre Orçamento Participativo, alguns delegados falaram sobre despesas e receitas do município, outros falaram que o Orçamento Público é amplo e abrange todas as áreas do município, e que o Orçamento Participativo é uma metodologia que proporciona à população o direito de escolher o que realmente precisa, como se pode observar na fala a seguir: ?estamos trazendo isso para dentro dos Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 444 bairros, o povo é quem sabe mais o que precisa? (Delegado 5). O entrevistado está fazendo jus à questão de protagonismo que o Orçamento Participativo proporciona à população. Os entrevistados representantes da comunidade mencionaram que o Orçamento Público é um orçamento voltado para todo o município e o participativo é voltado para as demandas específicas da população. ?Orçamento Público é uma verba que vem para arrumar as ruas, seja uma verba especial para iluminação e serve para ajudar a prefeitura a fazer as obras, já o Orçamento Participativo é uma boa maneira de as pessoas participarem, terem direito de participar das obras da prefeitura? (Comunidade, 16). Para outro participante entrevistado, o ?orçamento público é toda a verba destinada para a comunidade, desde medicina, hospitais, saúde, segurança, semáforos, árvores grandes demais em locais apropriados? (Comunidade 11). Os entrevistados, embora sem o conhecimento técnico, demonstram conhecer empiricamente o signi ficado e função do Orçamento Público e do Orçamento Participativo. Segundo Fedozzi (2001), o Orçamento Público destaca -se por ser uma relevante ferramenta de planejamento, na gestão e no controle dos recursos públicos. Para Bergelt (2012), constitui -se como o principal instrumento de gestão do estado moderno, expressando a renda nacional e a arrecadação de impostos e pela distribuição de recursos através das despesas públicas. Já o Orçamento Participativo, para Santos (2010), destaca-se por ser um instrumento que possibilita aos cidadãos e entidades da sociedade civil interferir diretamente nas decisões de gastos do governo e fiscalizar a gestão orçamentária. O orçamento participativo em Santana do Livramento: demandas elencadas e ações realizadas A partir da análise documental dos exercícios de 2013 e 2014, pode-se observar que as demandas elencadas no Orçamento Participativo foram incluídas no orçamento do município, sendo possível visualizá-las no Quadro 6. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 445 Quadro 6: Relação de demandas 2013 e 2014 do Orçamento Participativo em Santana do Livramento/RS 2013 Demandas Dotação Orçamentária Programas Ações Calçamento Cerro do Armour 06.01.26.782.0110.3026 Placar Calçamento e Manutenção de vias Restaurante Popular 12.01.08.244.0161.3.394 Enfrentamento à Pobreza Estruturação do Restaurante Popular UBS Wilson 08.01.10.301.0124.3411 Investimento e Saúde Construção de UBS Um Computador Por Aluno 05.04.12.361.0173.3429 Gestão Escolar Democrática Um tablet por aluno Posto de Saúde Rural 08.01.10.301.0124.3.412 Investimento em Saúde Construção UBS Área Rural 2014 Demandas Dotação Orçamentária Programas Ações Reforma escola Saldanha Marinho 05.04.12.365.0173.3.025 Gestão Escolar Democrática Reforma e Ampliação de Reforma Passeio no Wilson 10.01.27.813.0141.0.000 Infraestrutura de praças e parques Construção e Manutenção de Passeio Creche São Paulo 05.02.12.365.173.3.031 Gestão Escolar democrática Construção de Escola Creche Vila Real 05.02.12.365.173.3.031 Gestão Escolar democrática Construção de Escola Manutenção das estradas rurais (Bom Será) 06.01.26.782.110.3.028 Placar Restauração de Malha Rodoviária Rural Fonte: Elaborado pelos autores, com base na pesquisa de campo 2015. Como é possível visualizar no Quadro 06, as demandas foram incluídas no orçamento por intermédio dos programas e ações e, entre as demandas do ano de 2013, duas estão vinculadas à saúde, construção de uma Unidade Básica de Saúde no Bairro Wilson e a criação de um posto de saúde no meio rural; uma ligada à educação, disponibilidade de computadores para os estudantes, e uma Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 446 relacionada à infraestrutura, calçamento do Cerro do Armour. Já no ano de 2014, as demandas se vinculam à educação, à reforma da escola e à criação de duas creches, à infraestrutura, criação do passeio no Bairro Wilson e melhoria das estradas rurais. As demandas do Orçamento Participativo do ano de 2013, ao de verificar a execução das mesmas, com relação ao Restaurante Popular e à construção da Unidade Básica de Saúde no Bairro Wilson, foi elaborado o projeto, porém ainda não foram executadas as obras. O calçamento no Cerro do Armour foi iniciado, porém a obra não foi concluída. A entrega de um tablet por aluno foi realizada na Escola Camilo Alves Gisler. E, com relação ao Posto de Saúde no meio rural, essa demanda foi substituída pela aquisição de uma Unidade Móvel para prestar atendimento de saúde na Campanha. Já as demandas do ano de 2014 estão em fase de projetos e de procedimentos licitatórios, tendo sido iniciadas as obras das creches São Paulo e Vila Real, porém não concluídas. A partir das análises dos documentos, verificando -se as entrevistas em relação às demandas, o entrevistado que representa o Poder Público municipal, Gestor entrevistado, foi questionado se as demandas elencadas no Orçamento Participativo foram colocadas no orçamento do município e sobre sua execução. O gestor menciona que todas as demandas foram incluídas no orçamento e que a maioria das demandas está em atraso. D isse ainda que existem entraves burocráticos para a realização de algumas delas. ?O restaurante popular está quase pronto, só depende de um projeto que há pouco tempo foi concluído, já começou, faltam apenas os detalhes finais para que seja entregue como está no projeto? (Gestor entrevistado). Ao ser interrogado sobre o motivo dos atrasos, o entrevistado relatou que existem demandas retardadas, mas que existe um compromisso com a população de entregá-las até o final do mandato, 2016. O entrevistado enfatizou que as demandas mais atrasadas, ou que ainda não foram iniciadas, são as construções demandadas no Orçamento Participativo e que o atraso se dá em função de o recurso destinado ser insuficiente para a execução da demanda. Segundo o gestor, as falhas nos processos existiram por falta de experiência, lembrando que era algo novo a ser implantado no município. Segundo ele, algumas demandas foram adaptadas por esse motivo, como, por exemplo, a Unidade Básica de Saúde (UBS) Rural demandada no ano de 2014, que foi substituída por uma Unidade Móvel que leva o atendimento na Campanha, quando existe a necessidade de atendimento. O representante da gestão enfatizou que, no ano de 2015, esse tipo de erro foi sanado, sendo os mesários que Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 447 coletam as demandas, orientados sobre o custo de cada demanda e a viabilidade de implantação das mesmas, eliminando, antes mesmo da votação, demandas impossíveis de serem realizadas. Ainda com relação às demandas da sociedade, a maioria dos delegados, quando interrogados se estão cobrando do Poder Público se elas estão sendo realizadas, respondeu afirmativamente. Alguns, durante as respostas, puderam comprovar essas cobranças, como pode ser visualizado nas falas a seguir: ?Sim, nós estamos (cobrando), porque solicitamos reuniões com o prefeito e o secretário. Já trouxemos o jornal, estamos sempre em cima para que a obra seja concluída o mais rápido possível? (Delegado 7). ?Sim, estamos em todas as reuniões, cobrando dos vereadores, pressão sobre a prefeitura, sobre os secretários, tanto a base do governo como a oposição? (Delegado 5). Os entrevistados representantes da comunidade, ao serem questionados sobre as demandas em que votaram, lembraram -se da primeira demanda votada por eles, alguns não conseguiram recordar a segunda, tão pouco da terceira escolha, porém todos sabiam dizer se sua demanda tinha sido eleita, e se não, qual demanda foi escolhida na assembleia em que participou. Sobre o conhecimento dos participantes acerca da realização das demandas, foram obtidas distintas respostas. Alguns entrevistados mencionaram desconhecer se as demandas estão sendo realizadas, com, por exemplo: ?Não sei se estão sendo feitas? (Representante da Comunidade 16). Outros responderam que suas demandas não estão sendo realizadas, ou que elas ainda não foram concluídas: ?Não ouvi falar nada do refeitório, não foi concluído? (Representante da Comunidade 15). Para outros entrevistados, algumas das demandas da sua região foram finalizadas e outras estão paradas por entraves burocráticos. ?Os tablets foram concluídos? (Representante da Comunidade 13). ?A do tablet se concretizou, as (demandas) da saúde e algum calçamento já começaram, algumas estão paradas por motivos burocráticos? (Representante da Comunidade 10). Deparou -se ainda com entrevistado que menciona que o atraso para a finalização das demandas, construção de um calçamento, se deu em função da qualidade do material utilizado. ?O prefeito explicou o motivo do atraso: o material que vai ser usado foi trocado por um mais econômico? (Representante da Comunidade, 14). Pode-se perceber que, por se tratar de um processo novo no município e estar em fase de adaptação e ajustes, o Orçamento Participativo encontra barreira e limitantes para o seu funcionamento. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 448 Percebe-se, a partir da pesquisa, que, de maneira geral, tanto gestor, quanto delegados e comunidade conhecem as demandas e têm conhecimento da sua realização e das razões para a não efetivação das mesmas. Isso é relevante, pois dessa forma é possível cobrar da gestão que os resultados se concretizem. Streck (2005) reconhece que um dos entraves do Orçamento Participativo encontra-se nas dificuldades de atrair grupos heterogêneos em torno de discussão sobre as prioridades na destinação dos recursos do Estado. A participação no processo de eleição das demandas no Orçamento Participativo de Santana do Livramento Visando identificar como se deu a participação dos envolvidos na seleção e na definição das demandas nos dois Orçamentos Participativos realizados no município, questionaram -se os entrevistados sobre as suas participações, como as mesmas se deram. Lembrado que, para Carvalho (2008), a participação é uma maneira de escolher representantes para defender as demandas de uma determinada região de maneira democrática. Nesse sentido, os delegados e representantes da comunidade santanense foram indagados acerca da sua participação no Orçamento Participativo, se haviam realizado questionamentos, ou indagações. Os delegados responderam de maneiras distintas. Para um dos entrevistados, a participação não foi efetiva nos dois primeiros anos, pois as pessoas não tinham consciência do processo. ?Nos dois primeiros anos, a coisa foi bem parada, ninguém sabia como o processo estava ocorrendo, apenas foram votar, porém não conheciam o processo, nem os delegados sabiam o que estavam fazendo? (Delegado 2). Já outro delegado entrevistado, expressando como se dá a participação, relata um acontecimento em que, por falta de reconhecimento da demanda pelo prefeito, os delegados recorreram à rádio local para dar visibilidade à demanda e ao descaso. [...] A nossa demanda não tinha nem o projeto, então a comunidade uniu -se para averiguar o porquê disso, aí é que fomos pressionar a secretaria para obter respostas sobre o calçamento da rua, após nove meses para descobrir uma resposta: tínhamos obtido 1200 metros e iríamos levar apenas 487 metros. O gabinete de relações comunitárias Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 449 organizou sete reuniões e o prefeito nunca foi, daí nós fomos para a rádio (Delegado, 5). Segundo Rossi Horochovski e Clemente (2012), o papel exercido pela população nem sempre segue o combinado durante o processo do Orçamento Participativo, exercendo pressões, criticando a administração e conquistando a resolução de suas demandas. Ainda sobre o questionamento acerca da participação, houve entrevistado que relatou o conhecimento prévio acerca do Orçamento Participativo que já vinha ocorrendo em Porto Alegre. Assim, não foi necessário realizar questionamentos. ?Eles falaram, explicaram e eu já tinha alguma experiência de Porto Alegre, foi distribuído material e não foi necessário questionar, porque eu já tinha conhecimento de causa, para que servia o Orçamento Participativo? (Delegado 7). Deparou-se ainda com delegado que mencionou que sua participação se deu pela defesa das demandas da comunidade, não apenas votando nas possíveis demandas oferecidas pelo poder público: ?(defendia) uma demanda que não vinha do poder publico? (Delegado 4). Os representantes da comunidade, quando questionados como se deu a participação no Orçamento Participativo e se eles fizeram algum questionamento, destacam que a participação se deu pelo voto, votando em suas demandas e nas demandas da região em que residiam. Um dos entrevistados mencionou não ter realizado questionamentos, o mesmo acredita que isso seria uma exposição e que tal função é dos delegados. ?Não participei nem questionando, nem expondo, isso geralmente fica para quem defende as demandas, por algum grupo ou vai participar como delegado? (Representante da Comunidade 10). Outro entrevistado mencionou que a função de questionar é dos líderes. ?Não fiz nenhum questionamento, deixei para os líderes, que têm mais tempo de reivindicar se as demandas estão sendo feitas? (Representante da Comunidade 11). Por outro lado, no decorrer da pesquisa, deparou-se com um entrevistado que se mostrou bastante ativo e envolvido no processo do Orçamento Participativo em Santana do Livramento, que relatou: Nós participamos corpo a corpo, fomos na votação. Lá, foi feita uma explicação de todo o processo. Tem uma cartilha com os programas possíveis. Em Livramento, foi em 2013 a primeira execução; já neste ano a coisa já está mais evoluída, o pessoal já sabe mais coisa (Representante da Comunidade12). Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 450 A participação dos delegados e dos representantes da comunidade se deu de distintas formas. Os primeiros formam uma comissão responsável pelo plano de investimentos, eleitos pela comunidade, e os segundos participaram votando, elegendo as demandas da comunidade. Para Bergelt (2012), o Orçamento Participativo é um processo no qual gover no e sociedade unem esforços para identificar os investimentos que devem ser priorizados pelo Estado. O Orçamento Participativo é uma política de governo ou do município? A continuidade do Orçamento Participativo, no caso de troca de governo, é considerada com um dos piores entraves na execução dele e só pode ser superado com a formação de uma cultura de participação, sendo a criação de leis e forçamento de reeleição estratégias que podem ser revertidas (PIRES, 2001). Nesse sentido, os entrevistados foram questionados acerca da continuidade do processo em caso de troca de governo. Para o representante do governo, o mecanismo que garante a permanência do Orçamento Participativo em Santana do Livramento, em caso de troca de governo, é um projeto de lei que está sendo criado para garantir a inclusão da continuidade do Orçamento Participativo na lei orgânica municipal. Por outro lado, de acordo com Pires (2001), esse tipo de imposição do Orçamento Participativo não soluciona o problema da descontinuidade. A melhor solução está voltada para a criação de uma cultura de participação que envolva todos os participantes para garantir a continuidade do processo. Para alguns delegados, a troca de governo acarretaria em extinção do Orçamento Participativo, para outros o Orçamento Participativo seguirá ocorrendo em função de o prefeito municipal ter encaminhando um projeto lei para a Câmara dos Vereadores, com o intuito de incluir na Lei Orgânica Municipal a prática do processo do Orçamento Participativo. ?Foi visto lá na reunião, o prefeito vai criar uma lei do orçamento participativo? (Delegado 6). No entanto, a maior parte dos entrevistados salientou a relevância do processo participativo e a necessidade da sua continuidade. ?É um ganho da população e deve continuar? (Delegado 7). ?Se o governo tiver verba, deve seguir realizando o Orçamento Participativo, porém deve ser mais discutido? (Delegado 4). Apesar de ?deveria ser um programa público sem ligação em partido, devia dar Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 451 essa continuidade quem assume o governo, pois é uma conquista do povo? (Delegado, 3). Para um dos delegados entrevistados, o Orçamento Participativo no município está por deixar de existir, como pode ser observado em seu discurso: ?Está para desaparecer, porque a câmara aprovou um projeto que concede aos vereadores uma porcentagem de até 1,2% do orçamento do município para investimentos em saúde e educação? (Delegado 5). Nesse sentido, segundo Pires (2001), a descontinuidade não pode ser solucionada com a criação de lei que obrigue a administração de utilizar-se do Orçamento Participativo, deve partir do povo a aclamação pela metodologia de participação popular. Quando realizado o mesmo questionamento acerca da continuidade do processo participativo para os entrevistados representantes da comunidade, obtiveram-se distintas respostas, variando da descontinuidade do processo participativo até a continuidade com condicionantes, embora todos tenham ressaltado a relevância do Orçamento Participativo. Encontrou-se entrevistado que menciona o exemplo de Santa Maria, na região central do estado do Rio Grande do Sul, que, na saída do governo do Partido dos Trabalhadores, deixou de ser realiz o Orçamento Participativo. ?Em Santa Maria, não foi continuado pelo prefeito que não era do PT, porém acredito que, se as bases estiverem bem estruturadas, vai continuar? (Representante da Comunidade 12). Para outro entrevistado, se se trocar o governo a política será alterada. ?Acho que não continua, se muda o governo, acho que eles não vão utilizar? (Representante da Comunidade 13). Para outro, a sequência ou não do programa não é algo que está dado, pois o que define sua permanência ou exclusão são os arranjos políticos que se estabelecerão. ?Tudo depende dos arranjos políticos pós-eleição, a qualquer momento pode ser retirado. Se o novo governo for contrário àquele que estiver no poder, a primeira coisa que ele corta é o Orçamento Participativo, porém isso não é bom? (Representante da Comunidade 10). Para diversos entrevistados, mesmo sem ter clareza se o Orçamento Participativo seguirá ou não ocorrendo, caso mude o governo no município, ele deveria seguir sendo desenvolvido. ?Eu acho que deve continuar, e inclusive como lei municipal, não pode se extinguir nunca mais? (Representante da Comunidade 11). ?A população já tem uma formação crítica e vai seguir trabalhando pelos seus direitos. Se mudarem, vai haver resistência, gerando um ponto negativo ao governo? (Representante da Comunidade 10). Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 452 Pode-se perceber que a percepção dos entrevistados representantes da comunidade, em sua maioria, se alinha com a definição dos autores, que acreditam que a descontinuidade é um dos piores entraves para a execução do Orçamento Participativo. Apesar de os entrevistados, tanto delegados quanto comunidade, em sua maioria, destacar a relevância do processo e que este deve continuar, suas percepções nem sempre vão nesse sentido, pois visualiza-se que os entrevistados acreditam que a mudança de governo pode acarretar no término do Orçamento Participativo em Santana do Livramento. Considerações finais A pesquisa possibilitou conhecer a percepção dos participantes do processo do Orçamento Participativo em relação à implementação das demandas da população no município de Santana do Livramento/RS, no período de 2013 e 2014. Constatou-se que os entrevistados, tanto gestor, quanto delegados e comunidade, acreditam que o Orçamento Participativo é de suma importância para a sociedade, pois por meio do mesmo as demandas da população podem ser atendidas. A pesquisa evidenciou que as demandas não estão sendo real izadas conforme previsto no Orçamento Participativo, e isso ocorre por falta de experiência, pois o orçamento participativo é uma metodologia recente, devendo ser aprimorada lentamente para que os objetivos sejam alcançados de forma eficaz. Verificou-se a existência de um projeto de lei que está sendo elaborado com a finalidade de dar continuidade ao Orçamento Participativo, de forma a dar seguimento a ele, porém, de acordo com Pires (2001), o projeto de lei não soluciona o problema da descontinuidade do processo participativo. Os resultados apontam que os delegados demonstraram estar engajados no processo do Orçamento Participativo, estando presentes nas reuniões e cobrando do Poder Público a realização das demandas sociais. A maioria dos delegados conhece suas atribuições, embora parcialmente, e acredita que o orçamento participativo deve continuar ocorrendo em Santana do Livramento. Pode-se dizer ainda que, de maneira geral, os representantes da comunidade participantes não demonstraram muito engajamento com o processo do Orçamento Participativo, deixando a cobrança e o desenvolvimento das obras por conta dos delegados escolhidos por suas regiões. No entanto, salienta-se que os entrevistados recordam a demanda votada e sabe se ela foi ou não concretizada, evidenciando o acompanhamento das ações do Orçamento Participativo. Sublinha -se Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 453 ainda que os representantes da comunidade entrevistados acreditam no processo participativo e desejam que o mesmo continue em Santana do Livramento, mesmo em caso de troca de governo. A análise documental demonstra que as demandas foram incluídas no Plano Plurianual, na Lei das Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual. No entanto, as demandas não estão sendo cumpridas, gerando certa falta de confiança no processo, ficando este desacreditado pela maior parte dos participantes. A constatação deve- se à baixa capacidade de investimento do Município, o que pode levar à insatisfação e à participação dos cidadãos nas assembleias do Orçamento Participativo dos anos seguintes. Para que se tenha a democracia participativa, deve haver o aumento da participação dos cidadãos na decisão sobre a distribuição dos recursos orçamentários, o aumento do acesso a recursos públicos, além do aumento da capacidade de decidir e de determinar a s regras do processo do Orçamento Participativo. Constatou-se que, tanto os representantes da comunidade como os delegados, acreditam que o Orçamento Participativo deve continuar em Santana do Livramento, porém a maioria dos entrevistados teme que essa prática possa ser descontinuada em caso de troca de governo. A participação da população, segundo alguns dos delegados, está diretamente ligada com o resultado das assembleias, portanto o processo ganhará mais força quando as demandas forem concluídas. Um fato que deve ser levado em consideração em relação à participação dos cidadãos e à construção de uma cultura participativa é a (in) segurança da continuidade do Orçamento Participativo. O caso analisado revela a implementação do Orçamento Participativo por um governo e não por meio de incorporação na Lei Orgânica Municipal, de forma que ficasse institucionalizado no Município. Assim, isso indica ausência da capacidade efetiva de influenciar e decidir sobre as políticas públicas e a distribuição dos recursos orçamentários. Os participantes do Orçamento Participativo demonstram estar tendo uma cultura de participação, deixando claro que não vão abrir mão do processo, mesmo em caso de troca de governo. Essa cultura, segundo Pires (2001), é a única maneira de evi tar o término do Orçamento Participativo em uma administração. Acredita -se que o Orçamento Participativo em Santana do Livramento tende a aumentar cada vez mais, tornando-se lentamente uma metodologia inerente à Administração Municipal. Por fim, acredita-se que o Orçamento Participativo contribui para despertar a participação cidadã na definição de políticas públicas e em decisões no âmbito da administração local. Dessa forma, amplia- Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 454 se a democratização da administração local e da interferência na destinação de recursos para as obras públicas que promovam o desenvolvimento local. Referências ABREU, Welles Matias de; GOMES, Ricardo Corrêa. O Orçamento Público Brasileiro e a Perspectiva Emancipatória: existem evidências empíricas que sustentam esta aproximação? Revista de Administração Pública. v. 47, n. 2, p. 515-540, mar./abr., 2013. AMARAL, R. Apontamentos para a reforma política: a democracia representativa está morta; viva a democracia participativa. Revista de Informação Legislativa. Brasília. a. 38, n. 151, jul./set., 2001. AVRITZER, L. O orçamento participativo: as experiências de Porto Alegre e Belo Horizonte. In: DAGNINO, E. (org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002. BALESTERO. G. S. Os orçamentos participativos como instrumento de participação popular na efetivação das políticas pública. Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 8, n. 1, p. 45-76, jan./jun., 2011. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 5 de outubro de 1988. [...] a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Disponível em: . Acessado em: 20 maio 2015. BRASIL. Lei n° 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 23 de março de 1964. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2015. BRASIL. Lei Complementar n° 101, de 04 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 04 de maio de 2000. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2015. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 455 BRASIL. Secretaria do Tesouro Nacional. Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Aplicado à União, Estados, Distrito Federal e Municípios. 5. ed. Brasília: STN, 2012. Disponível em: < http://www.tesouro.fazenda.gov.br/-/mcasp>. Acesso em: 20 maio 2015. CARVALHO, A. M . O Orçamento Participativo como instrumento de gestão que favorece a efetivação da cidadania em sua plenitude. Disponível em: . Acesso em: 03 jun. 2015. GENRO, T., SOUZA, U. Orçamento Participativo a experiência de Porto Alegre. 2. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1997. GERHARDT, T. E.; SILVEIRA, D. T. Métodos de Pesquisa. Porto Alegre: UFRGS. 2009. GIACOMONI, J. Orçamento Público. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2010. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010. FEDOZZI, L. Práticas inovadoras de gestão urbana: o paradigma participativo. Revista Paranaense de Desenvolvimento. Curitiba, n. 100, p. 93-107, jan./jun., 2001. FEDOZZI, L. Democracia participativa, lutas por igualdade e iniquidades da participação. In: FLEURY, S., LOBATO, L.V.C. (org.) Participação, Democracia e Saúde. Rio de Janeiro: Cebes, 2009. KOHAMA, H. Contabilidade pública: teoria e pratica. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2010. HOROCHOVSKI, R. R., CLEMENTE, A. J. D emocracia deliberativa e orçamento público: experiências de participação em Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Curitiba. Revista de Sociologia e Política. v. 20, n. 43, p. 127-157, out., 2012. LÜCHMANN, L. H. H. Participação e representação nos conselhos gestores e no orçamento participativo. Caderno CRH, Salvador, v. 21, n. 52, p. 87-97, jan./abr., 2008. ______. Modelos contemporâneos de democracia e o papel das associações. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 43, p. 59-80, out., 2012. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional ? G&DR ? v. 14, n. 1, p. 425-456, jan-abr/2018, Taubaté, SP, Brasil ? 456 ______. 25 anos do Orçamento Participativo : algumas reflexões analíticas. Rev. Política e Sociedade, Florianópolis, v. 13, n. 28, p. 167- 197, set./dez., 2014. MACPHERSON, C. B. A Democracia Liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. NOVAES, Flávio Santos; SANTOS, Maria Elisabete Pereira dos Santos. O Orçamento Participativo e a Democratização da Gestão Pública Municipal ? a experiência de Vitório da Conquista (BA). Revista de Administração Pública. v. 48, n. 4, p. 797-820, jul./ago., 2014. PIRES, V. Orçamento Participativo: O que é, para que serve, como se faz. São Paulo, 2001. SÁNCHEZ, F. R. Orçamento participativo: teoria e prática. São Paulo: Cortez, 2002. SANTANA DO LIVRAMENTO Estatuto do Orçamento Participativo. Santana do Livramento, 2013. SANTOS. R.C. Plano plurianual e orçamento público. Brasília: Capes, 2010. STRECK, D. R. Por uma pedagogia da participação. In: STRECK, D. R., EGGRT, E., SOBOTTKA, E. A. (org.) Dizer a sua palavra: educação cidadã, pesquisa participante, orçamento público. Pelotas: Seiva Publicações, 2005. SILVA, M. K. Construção da "participação popular" : análise comparativa de processos de participação social na discussão pública do orçamento em municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS. 2001. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Federal do Rio Grande do Sul.